terça-feira, 19 de julho de 2022

 CURRÍCULO ACADÊMICO E PERFORMANCE MINISTERIAL:

A formação pastoral batista brasileira para o contexto hipermoderno.


ACADEMIC CURRICULUM FOR MINISTERIAL PERFORMANCE:

Brazilian Baptist pastoral formation for the hypermodern context.

Diogo Souza Magalhães1

RESUMO: o presente artigo constata situação de tensão na relação pastores x igrejas no contexto batista brasileiro, com grande desgaste para ambos. Reconhece que isso se deve às inúmeras mudanças geradas pela cultura-mundo hipermoderna, à inserção de uma nova mentalidade e consequentes mudanças contínuas na sociedade atual, inclusive nas igrejas batistas, e à falta de adaptação e inovação curriculares dos cursos de Graduação em Teologia, o que compromete a formação pastoral e a satisfação das igrejas. Propõe mudanças na educação ministerial, especialmente, quanto ao currículo acadêmico dos cursos de Graduação em Teologia das instituições batistas, para que essa situação com muitos de seus dissabores sejam superados.

PALAVRAS CHAVE: Currículo Acadêmico, Performance Ministerial, Batistas, Formação Pastoral, Hipermodernidade.

ABSTRACT: The present article examines the tension in relationships between Brazilian Baptist pastors and churches, and the impairment that results to both. It affirms that the friction results from abundant changes generated within the hypermodern world culture context, which is bolstered by a new mentality that triggers continual changes to current society, including among Baptist churches. The strain is intensified by the lack of adaptation and innovation in the curricula of theological higher education, which in turn compromises the preparation for pastoral ministry and impedes the satisfaction of churches. Changes are proposed for ministerial education, particularly with regard to the academic curriculum and theological courses in Brazilian Baptist institutions of higher education, so that the current situation, with its distasteful ramifications, might be overcome.

KEY WORDS: Academic Curriculum, Ministerial Performance, Baptists, Pastoral Formation, Hypermodernity.

Introdução

A educação ministerial (ou religiosa) é tão antiga quanto a educação profissional secular. Assim como a educação em geral possui sua história marcada por tendências, ênfases, teorias e “escolas”, também a educação teológica se desenvolveu acompanhando os desdobramentos históricos e religiosos, produzindo suas próprias ênfases, teorias e tendências para cada geração, acompanhando o que os alemães chamam de zeit geist, ou espírito do tempo.

1 O autor é graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBNB), em Recife – PE, com convaliadação de Diploma de Graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Sulamericana (FTSA), em Londrina – PR. É pós-graduado em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Tocantinense de Pós-Graduação (ITOP), em Palmas – TO. É membro da Fraternidad Teologica Latinoamericana, FTL – B, desde 2012.

A necessidade de ajustamento e atualização na educação é fruto da dinamicidade da história, da sociedade e do homem. Novas visões de mundo e da realidade, novas maneiras de se relacionar e novas formas de ensinar e de aprender requerem abordagens educacionais inovadoras, técnicas pedagógicas aprimoradas e conteúdos acadêmicos contextualizados, para que o educando possa conhecer, fazer, ser e se relacionar de maneira eficaz.

Ao pensar na formação ministerial é preciso levar em consideração o fato de que não se pode simplesmente ensinar da mesma forma, usar os mesmos materiais, técnicas e conteúdos das gerações passadas, sob risco de se perder a relevância e eficácia educacionais. É necessário renovar o processo de formação profissional para que as faculdades de teologia tenham os mais capacitados egressos quanto possível, aptos a desenvolverem sua performance ministerial eficazmente diante da desafiadora realidade do mundo contemporâneo.

Para que o processo de educação ministerial seja cumprido competentemente são requeridos ajustes curriculares constantes nos cursos de Graduação em Teologia. Isso não quer dizer que os ajustes devem acontecer somente nos currículos, pois também o processo e estrutura educacionais devem ser revistos. Mas, é interesse deste trabalho destacar a questão curricular, por considerá-la preponderante no desenvolvimento da práxis pastoral. A educação ministerial não deve apenas repetir a tradição, por melhor que ela seja, mas necessita ser renovada, passando por constantes mudanças, assim como acontece com o perfil que estudantes e profissionais precisam ter e que as igrejas e comunidades desejam ver em seus ministros, conforme pensa Hardy, ao dizer que “(o) currículo não deve refletir primariamente as tradições de seu glorioso passado, mas ser um caminho integrado e deliberado para equipar as pessoas reais que estão estudando agora para os ministérios reais que elas terão.” (HARDY, 2007, p. 158).

É a partir da constatação dessa urgente necessidade que este trabalho reflete sobre o tema “CURRÍCULO ACADÊMICO E PERFORMANCE MINISTERIAL: A formação pastoral batista brasileira para o contexto hipermoderno”. Considera-se na atualidade que há necessidade de profundas melhorias na qualidade dos ministérios, o que perpassa pela excelência dos cursos de teologia, e, em especial, pela adaptação e contextualização curriculares nas instituições teológicas contemporâneas, a fim de que os futuros ministros sejam devidamente preparados para desenvolverem suas funções com competência e eficácia.

Observa-se que há uma crescente complexidade na realidade e uma contínua transformação cultural no mundo ocidental. Educar se tornou um grande desafio, principalmente quando se pensa em formar e capacitar pessoas que irão enfrentar a

Hipermodernidade (LIPOVETSKY & SERROY, 2011), contexto marcado pela radicalização da Modernidade, gerando constantes mudanças, muitas pressões, saturação de informações, relativismos, pluralismo, esfacelamento e recrudescimento das identidades, intensificação das responsabilidades pessoais e uma necessidade constante de aprimoramento da performance.

Ao abordar a formação teológico-pastoral, observa-se neste início de século a existência de ministérios religiosos curtos temporalmente, marcados por conflitos, críticas, desgastes e deserções, o que produz ao longo do tempo uma profunda aridez, que torna a vida dos pastores e das igrejas infrutíferas. No que diz respeito às igrejas batistas, há inúmeras demandas que esperam por suprimento (MORAES, 2012), o que desencadeia cobranças de “direitos”, diferentes gostos e tendências eclesiásticas almejados, além de desejos por inovações técnicas e de novos modelos empresariais, de liderança, de planejamento e de desenvolvimento das ações ministeriais. No que tange aos pastores, por outro lado, há múltiplas ações a serem desenvolvidas (GREEN, 2016), desde aquelas vistas como estritamente religiosas, como pregação, evangelização e aconselhamento pastoral, àquelas consideradas mais secularizadas, como administração, planejamento estratégico, técnicas de crescimento de igreja, etc.

De um lado, as igrejas reclamam do despreparo e da falta de qualificação de muitos ministros (MORAES, 2012), do outro, os pastores reclamam das múltiplas e inúmeras exigências ministeriais (GREEN, 2016). Não são poucos os ministros na atualidade que se sentem cansados, desanimados e até doentes (LIPOVETSKY & SERROY, 2011; PEREIRA, 2013). Cresce o número de casos de Síndrome de Burnout, depressão e crises de pânico (PEREIRA, 2013) entre pastores e líderes eclesiásticos. Dessa maneira, uma crise foi se estabelecendo nas últimas décadas na relação igrejas x pastores, seja nas igrejas em geral ou mesmo nos “arraiais” batistas, produzindo muito desconforto e desgastes para todos os envolvidos (MORAES, 2012; GREEN, 2016).

Parte do problema está ligado à formação ministerial. A forma como a educação pastoral é realizada, seus objetivos, sua estrutura, seu conteúdo e sua visão muito influenciam esta questão. Acredita-se que esteja especialmente vinculada ao desenvolvimento curricular dos cursos de Graduação em Teologia que, em grande parte se encontram defasados, não contemplando temas contemporâneos importantes e não abordando problemas atuais da complexa conjuntura mundial. Infelizmente poucas instituições teológicas estão formando ministros focados na interdisciplinaridade, nos múltiplos saberes e competências do educando/profissional, nas diferentes especializações ministeriais, na necessidade dos ministros receberem contínua educação, mesmo depois de concluída a graduação.

Este trabalho é, portanto, justificado pela crescente crise que se instaura na relação entre comunidades de fé (Igrejas Batistas) e seus ministros (pastores), bem como pela necessidade de se repensar a formação curricular dos cursos de Graduação em Teologia no contexto batista brasileiro, adequando-os e contextualizando-os às novas tendências do mundo hipermoderno e às demandas das igrejas e do ministério pastoral, para que os graduados bem capacitados egressos das casas de formação tornem-se pastores mais eficazes na labuta ministerial. Sobre isso, Almeida afirma que “precisamos de lideranças bem formadas para atender à demanda da crescente igreja evangélica no Brasil” (ALMEIDA, 2009, p. 51), e Proença acrescenta que “o competitivo ‘mercado religioso’ pede novos perfis de liderança” (PROENÇA, 2011, p. 57), o que requer uma capacitação mais adequada e contextualizada para hoje. Para isso, a presente pesquisa propõe novas inserções nos cursos de teologia através de “ênfases curriculares gerais” como parte da resposta para os anseios quanto ao futuro da educação ministerial batista e o futuro do ministério pastoral nas igrejas da Convenção Batista Brasileira (CBB).

Tal proposta visa suprir parte dos desafios para a educação ministerial contemporânea brasileira, propondo relacionar a educação teológica batista ao mundo hipermoderno, dentro do qual a religião, e mais especificamente a igreja, estão inseridos, problematizando esta relação.

Considerando todas essas questões, levanta-se o seguinte problema: os cursos de Graduação em Teologia das instituições batistas estão cumprindo adequadamente o seu papel, formando pastores aptos e eficazes para o desempenho ministerial, ou precisam de atualizações para cumprir seu papel eficientemente? Como problemas específicos, perguntam-se: 1) Como a realidade atual se apresenta e como influencia a religião e a formação dos pastores? 2) Que perfil de educação ministerial se almeja desenvolver para as Faculdades Teológicas Batistas no Brasil? 3) Que tipos de alterações curriculares são necessárias e urgentes para tornar os currículos mais adequados diante da atual realidade, e os pastores mais eficientes no desempenho de seus ministérios?

O trabalho possui, portanto, o seguinte objetivo geral: investigar a necessidade de adequações curriculares urgentes nos cursos de Graduação em Teologia em tempos hipermodernos, em meio a grandes desafios, para tornar a formação dos pastores batistas mais eficaz. São propostos também os seguintes objetivos específicos: 1) compreender a complexidade da hipermodernidade e as implicações da cultura-mundo sobre a religião, as igrejas e, consequentemente, sobre a formação profissional dos pastores batistas; 2) apresentar um perfil de educação ministerial para formar pastores batistas para o enfrentamento do ministério pastoral em meio aos grandes desafios contemporâneos; 3) propor contextualizações e adaptações curriculares necessárias aos cursos de teologia através de ênfases curriculares, para a melhor formação teológico-pastoral batista brasileira contemporânea, tornando-a mais eficiente ao preparar pastores mais eficazes.

O caminho trilhado é o da relação dos pastores e igrejas com o mundo hipermoderno, da apresentação de uma visão para a educação ministerial na atualidade e o das propostas de alterações curriculares para tornar os cursos de Graduação em Teologia mais relevantes, num mundo desorientado, como bem afirma Lipovetsky (LIPOVETSKY & SERROY, 2011).

1. Cultura-mundo, a radicalização da modernidade e suas implicações sobre a igreja e o ministério pastoral

Nos últimos 60 anos o mundo passou por mudanças substanciais. O processo da Modernidade se intensificou, produzindo rupturas com o passado e novas perspectivas para o presente e o futuro, tornando a realidade do mundo ocidental muito mais complexa. Teóricos perceberam estas mudanças e tentaram decifrar o mundo contemporâneo. Ressalta-se Jean-François Lyotard, filósofo francês muito influente na década de 80 do século passado, que escreveu importantes obras sobre a contemporaneidade. Na principal delas, O Pós-Moderno (LYOTARD, 1986), o filósofo francês apresenta a “Pós-Modernidade” como a transição entre o moderno propriamente dito e o futuro ainda não definido. Apesar das indefinições observadas por ele, algumas características podem ser elencadas como sendo do contexto pós-moderno: a troca da verdade pela performance e seus resultados, o relativismo, o pluralismo, a crença no convívio harmonioso entre as diferenças, a desconfiança nas metanarrativas, ou seja, nos discursos totalitários que procuram descrever a realidade e trazer respostas definitivas e finais, e a paralogia, que seria a capacidade de perceber "anomalias" na realidade, que conduzem à construção de novos conceitos. Há nessa primeira visão a desconstrução de boa parte do que foi considerado Modernidade e há indicativos de abertura para inovações contínuas no futuro.

Um segundo autor que muito contribuiu para o estudo da contemporaneidade foi Zygmunt Bauman, sociólogo polonês radicado na Inglaterra, que escreveu várias obras onde apresentou sua percepção da contemporaneidade. Sua principal obra é considerada Modernidade Líquida (BAUMAN, 2002). Para ele, a “Modernidade Líquida” seria o desdobramento da própria Modernidade, agora marcada pela liquidez, volatilidade, fluidez, inconstância, rápidas mudanças, incertezas, insegurança, medo crônico (BAUMAN, 2008) e

superficialidade relacional (BAUMAN, 2004). Para o sociólogo polonês a “modernidade sólida” foi abandonada para dar espaço à lógica do aqui, do agora, do consumo, do prazer e da artificialidade. Nessa segunda visão observa-se o desenvolvimento de uma mentalidade marcada pela volatilidade e falta de substância, capazes de produzir incertezas, insegurança e medo, gerando percalços nos relacionamento humanos, tornando tais relações muito mais “conexões” do que “relações profundas” (BAUMAN, 2004).

O terceiro autor, talvez o mais importante na atualidade a descrever o mundo atual, é o francês Gilles Lipovetsky, que escreveu em conjunto com Jean Serroy a importante obra A Cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada (LIPOVETSKY & SERROY, 2011). Para Lipovetsky, o atual contexto histórico é marcado pela radicalização da Modernidade, daí seu conceito de “Hipermodernidade”, ou seja, a modernidade levada ao extremo, marcada pela desorientação cultural, pela ideia de uma cultura hipertecnológica, hiperconsumista, efêmera, individualista, homogeneizada, onde há perda de identidades, “ditadura” da responsabilidade, pressões contínuas sobre os indivíduos e mercantilização de todas as esferas da vida humana, inclusive, da religião. Para essa interpretação do mundo contemporâneo há certo desenvolvimento anômalo e patológico, que compromete a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo.

Foi na Hipermodernidade, esse mundo complexo, confuso e desorientado, que o teólogo brasileiro Jilton Moraes (MORAES, 2012) percebeu inúmeras mudança de mentalidade nas igrejas, especialmente nas igrejas batistas brasileiras, ao se tornarem mais “organizadas”, profissionalizadas, estruturadas e exigentes. Notou também alterações na vida dos cristãos, que se tornaram mais críticos, cônscios de seus direitos, autônomos e mais exigentes com a performance de seus pastores. Dessa forma, o autor chegou à conclusão de que há despreparo de muitos ministros para o exercício de suas funções, principalmente quanto ao ofício da pregação (área específica de sua pesquisa) e que em muitos casos o descuido e a falta de dedicação se unem à incapacidade, produzindo o fracasso ministerial.

Analisando o mesmo problema, mas por outro viés e em outro contexto, a pesquisadora norte-americana Lisa Cannon Green (GREEN, 2016), em seu atual e interessantíssimo artigo sobre a deserção pastoral, constata que o acúmulo de atividades e de atribuições, o excesso de cobranças, as inúmeras pressões por contínuas mudanças e inovações, os desentendimentos e a desconfiança mútuos estão produzindo nos pastores o seu esgotamento, gerando enfermidades diversas, problemas familiares e desgosto profissional, levando muitos pastores a abandonem a carreira ministerial, mudando de profissão em busca de maior realização pessoal e de mais tranquilidade.

Foi também a partir de outro contexto, o da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, que o pesquisador William Cesar Castilho Pereira (PEREIRA, 2013) fala sobre os terríveis sofrimentos dos presbíteros no exercício ministerial e como situações semelhantes às que acontecem nos arraiais evangélicos também afetam a liderança católica, produzindo enfermidades psíquicas e psicossomáticas, levando muitos à aposentadoria precoce ou ao abandono do ministério.

Segundo o historiador Wander de Lara Proença (PROENÇA, 2001), foi por influência do contexto secular contemporâneo que algumas características começaram a se manifestar em relação à visão e ao desempenho ministeriais no Brasil, gerando várias interferências na relação pastores x igrejas: 1) para a cultura religiosa hodierna, competência profissional e bênção divina estão vinculadas ao crescimento numérico das igrejas: se há crescimento, há competência e bênção. Essa compreensão tem levado muitos pastores ao mais profundo esgotamento físico e emocional na busca de alcançar patamares cada vez maiores de crescimento, por causa da cobrança de suas igrejas (e às vezes cobranças feitas por eles mesmos!); 2) o desenvolvimento de uma visão que aproxima o ministério pastoral da “cultura das celebridades”, o que encaminha muitos pastores a se sentirem e a serem vistos como verdadeiras celebridades. O resultado dessa percepção é a formação de uma visão personalista de ministério e os sentimentos de infalibilidade e inquestionabilidade, “empurrando” muitos ministérios à bancarrota, devido ao excesso de vaidade; 3) a banalização da atividade do ministério pastoral, o que conduz qualquer pessoa a se tornar pastor, sem a devida vocação e sem o esperado preparo, movidos muito mais por interesses alheios ao ministério. A ideia de celebridade ligada ao ministério pastoral desenvolve certo glamour, que não é real. Resultado: pessoas sem vocação legítima para o ministério se frustram em busca de reconhecimento humano; e 4) o crescimento da interação entre o universo cultural e o campo religioso, aumentando a influência da cultura-mundo sobre o ministério pastoral, transformando o outrora “homem de Deus”, em um “executivo da fé”.

Esse é infelizmente o quadro que se apresenta como sitz im leben, ou pano de fundo, da relação igrejas x pastores na atualidade. O mesmo quadro se reproduz em parte no meio batista, o que leva ao reconhecimento de que mais do nunca a igreja precisa de pastores, de “homens de Deus”, não de empresários da fé, de celebridades ou de gurus personalistas.

Ao se constatar, portanto, a crise na relação entre os pastores e suas e igrejas, urge repensar a formação pastoral para este novo momento histórico.

2. Educação emancipadora, crítica e capacitadora de pastores para a Hipermodernidade

A teologia protestante é construída através da interpretação das Escrituras em relação ao mundo ao seu redor. Da mesma forma, a educação teológica protestante necessita ser desenvolvida levando-se em consideração essas duas esferas, utilizando-se das tradições educacionais cristãs do passado e da leitura de mundo atual, com suas tendências, filosofias e técnicas, para desenvolver modelos capazes de formar pessoas para o bom desempenho ministerial.

Quando se pensa nos pilares escriturísticos da formação teológica e ministerial, devem ser usados todos os ensinamentos bíblicos, especialmente do Novo Testamento, que versam sobre a formação espiritual e ética dos pastores e ministros em geral. Nada há de novo ou desconhecido quanto a este assunto no meio batista.

Quando se fala dos pilares ligados ao pensamento educacional e teológico contemporâneos, entretanto, há muito que considerar para capacitar adequadamente os ministros diante da Hipermodernidade.

Defende-se nos últimos anos que o ensino acadêmico deve formar pessoas para “ser”, para “conhecer”, para “fazer” e para “viverem juntos”. Tal compreensão é conhecida como “os quatro pilares da educação”, segundo relatório da UNESCO (DELORS, 2012). Muitas vezes percebe-se certo reducionismo educacional, como se o ensino acadêmico tivesse como prioridade apenas ensinar a “fazer”, tornando o acadêmico num profissional de determinada área capaz de dominar as técnicas de uma ciência ou profissão. Ledo engano, pois a tarefa da educação acadêmica, especialmente das Faculdades de Teologia, vai muito além. Mais do que “saber fazer”, dominando técnicas vinculadas à esfera profissional, o acadêmico de teologia deve “saber conhecer”, desenvolvendo a capacidade de estudar por conta própria, realizando certo autodidatismo para que continue se sentindo inquietado e estimulado a prosseguir nos estudos ao longo de sua vida. Precisa, também, “saber ser”, pois um ministro religioso necessita desenvolver concordância entre suas palavras e seus atos, elaborando um “discurso competente”, sem contradições. Deve ele “ser sempre mais e melhor”, passando por um processo contínuo de aperfeiçoamento, não por causa dos outros, mas para a glória de Deus. No mais, o pastor precisa saber “viver junto”, desenvolvendo a fraternidade, a paz relacional e o espírito de solidariedade. O ensino acadêmico aqui objetivado precisa trazer elementos curriculares que proporcionem aos estudantes de teologia todos os quatro níveis de capacitação, para que os futuros pastores tenham uma formação integral.

Para compreensão mais prática dessa formação integral, o futuro ministro necessita ser incentivado na academia a desenvolver algumas características fundamentais para a sua vida e profissão. Na esfera do “ser” deve desenvolver espírito de liberdade, senso de autonomia, capacidade de resistência, resiliência, senso de responsabilidade, postura ética, espiritualidade sadia e consistente, inteligência emocional, capacidade de trabalho em grupo. Na esfera do “conhecer”, ele precisa ter acesso ao embasamento teórico, incentivo à pesquisa, capacidade de síntese e de análise, senso crítico e manifestação de capacidade dialógica. Na esfera do “fazer” necessita de acesso ao conhecimento empírico, a laboratórios e estágios, acesso a bons exemplos e paradigmas, ao desenvolvimento de criatividade e de capacidade de inovação. Na esfera do “viver junto”, deve aprender a valorizar o espírito de equipe, o trabalho em grupo, o valor dos bons relacionamentos e a necessidade de desenvolver inteligência emocional.

O embasamento teórico para que essa visão educacional seja desenvolvida é feito através da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, que tem como principais protagonistas os filósofos alemães Max Hokheimer e Jürgen Habermas (MORROW & TORRES, 1998). A Escola Crítica Alemã procurou fazer a síntese do pensamento de Marx e Freud, trazendo novas contribuições ao pensamento do Século XX. Ela apresenta uma percepção não ingênua do sujeito que observa a realidade, capaz de fazer leituras ideológicas e políticas de cada conjuntura, possibilitando-o a se situar no processo educacional como sujeito pensante, autônomo, crítico e agente de transformação, com forte elemento emancipador. Talvez um dos maiores desdobramentos da visão frankfurtiana seja o da Pedagogia da Libertação (ou do Oprimido, ou ainda da Autonomia) elaborada pelo educador brasileiro Paulo Freire (FREIRE, 1987), que, seguindo a mesma tendência da Teoria Crítica desenvolveu propriamente uma “Pedagogia Crítica”, também com forte teor emancipatório e de desenvolvimento de autonomia pessoal (FREIRE, 1996), voltada especialmente para o ideal de liberdade (FREIRE, 1967). O interesse nessas tendências pedagógicas é o de possibilitar ao acadêmico não apenas uma leitura “crítica” da realidade, mas também uma leitura “crítica da crítica”, capacidade que o educando/pastor precisa desenvolver, levando-se em consideração a forte “doutrinação política e ideológica” na mídia, nas instituições educacionais e sociais contemporâneas no início deste século. O acadêmico e o pastor devem ser capazes de ver por trás das palavras, das imagens e das situações, percebendo não somente o que foi dito ou manifesto, mas também o que ficou escondido.

Partindo de uma filosofia da educação secular e pensando numa tendência de formação ministerial cristã, este trabalho faz a ponte entre Teoria Crítica, Pedagogia da Libertação e o pensamento do teólogo norte americano Eugene Peterson (PETERSON & DAWN, 2001), que propõe o conceito do “pastor desnecessário” como visão pastoral para o

Século XXI. Para Peterson, pastor desnecessário é aquele que investe sua vida de tal forma na formação de outras pessoas que, ao invés de aprisioná-las ou “domesticá-las”, as torna conscientes, livres, autônomas, críticas, capazes de gerir a sua vida e decidir seu próprio caminho. Esta é uma visão bem diferente de ministério das que tradicionalmente foram produzidas nos últimos séculos, já que muitas delas tornavam as pessoas dependentes dos pastores e das instituições. A visão do teólogo estadunidense é emancipadora e libertadora, desenvolvendo um senso de submissão do cristão diretamente para com Deus, confirmando o “princípio do livre sacerdócio do crente” tão caro à Reforma Protestante (CAIRNS, 2009).

Dessa forma, os cursos de Graduação em Teologia serão desenvolvidos a partir desses parâmetros teóricos e desenvolverão tais princípios e ideias entre os seus acadêmicos, para que ao longo do ministério estes os multipliquem entre os membros de suas igrejas e seja possível visualizar futuramente uma geração mais consciente, crítica e livre para servir ao Senhor.

3. Urgência de um upgrade na formação pastoral, através de importantes alterações curriculares dos cursos de teologia

Os cursos de Teologia são bastante antigos, datando da transição da Idade Antiga para a Idade Média, nascendo do esforço de pensar racionalmente a fé testemunhada nos textos bíblicos antigos. Foram potencializados no contexto da Escolástica no medievo, que, inclusive, diferenciou a Teologia Bíblica da Teologia Especulativa, enfatizando a segunda em detrimento da primeira. Foi nessa época que Tomás de Aquino deu o caráter de “ciência” à Teologia (DA SILVA, 2010, p. 03). Posteriormente, na Reforma Protestante houve a divisão teológica entre os cursos católicos e os protestantes, sendo os primeiros mais especulativos e os segundos mais bíblicos. Na Modernidade, os cursos de Teologia Protestantes acompanharam o desenvolvimento das ciências modernas, dialogando com elas, o que trouxe grande crescimento ao Pensamento Protestante, enquanto a Teologia Católica, firmada no Concílio de Trento, permaneceu arraigada à filosofia medieval. No Século XX a Teologia ganhou notoriedade em vários lugares do mundo, especialmente na Europa e nos EUA. No Brasil, entretanto, devido ao seu caráter basicamente confessional e à influência do Positivismo nas academias brasileiras, os cursos de teologia não tiveram reconhecimento até bem pouco tempo, sendo desenvolvidos como “cursos livres” em instituições confessionais e sem o controle direto do Estado. No máximo, tais cursos eram organizados e agrupados em instituições como a Associação Brasileira de Instituições Batistas de Ensino Teológico (ABIBET), Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE) ou a Associação Evangélica Teológica da América Latina (AETAL), que tentavam homogeneizar os cursos e os currículos teológicos no meio evangélico.

Desde que os cursos de Graduação em Teologia foram reconhecidos pelo MEC, através do Parecer CNE/CES nº 296, aprovado em 17 de março de 1999 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1999) os mesmos passaram a ser regulamentados pelo Ministério da Educação, que legitimou sua estrutura, seu credenciamento, seu reconhecimento, inclusive definindo o currículo comum (ou mínimo) que todas as IES deveriam seguir, com liberdade de acrescentar e adequar o currículo às respectivas realidades institucionais confessionais, como afirma o Parecer CNE/CES nº 60/2014, aprovado em 12 de março de 2014: “os cursos de bacharelado em Teologia sejam de composição curricular livre, a critério de cada instituição, podendo obedecer a diferentes tradições religiosas” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2014, p. 15).

O Projeto de Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Teologia, que ainda não foi oficialmente emitido, bem como o parecer acima, do qual faz parte, que também não foi oficialmente homologado, não tendo, portanto, valor legal, mas somente orientativo (ZABATIERO, 2015, p. 2222), em seu Artigo 7º, traz como proposta quatro eixos temáticos que servem de base pata a construção dos currículos dos cursos de Teologia reconhecidos pelo MEC. Assim estão apresentados:

Art. 7º Os conteúdos curriculares do curso de graduação em Teologia deverão ser organizados em quatro grandes eixos temáticos complementares entre si:

I - Eixo de formação fundamental;

II - Eixo de formação interdisciplinar;

III - Eixo de formação teórico-prática; e

IV - Eixo de formação complementar. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2014, p. 45)

Para o Parecer/Projeto de Resolução, os quatro eixos são bem gerais e servem de parâmetro para as IES prepararem seus PPP (Projetos Políticos Pedagógicos) e as matrizes curriculares dos cursos. O Eixo de Formação Fundamental trata da formação básica e deve possuir disciplinas ligadas aos textos sagrados, à Teologia, à Tradição, às regras de interpretação, à História da Teologia e ao método teológico; o Eixo de Formação Interdisciplinar contempla conteúdos da cultura humanística, cultura geral, ética, e temas atuais ligados aos direitos humanos, educação étnico-racial, educação indígena, educação ambiental e sustentabilidade; o Eixo de Formação Teórico-Prática trata de conteúdos ligados ao perfil e às competências do teólogo definidos pela instituição, tanto no que se refere à sua prática eclesiástica, quanto social e cidadã; e o Eixo de Formação Complementar tem como objetivo possibilitar o estudo e as atividades independentes, opcionais, de interdisciplinaridade, tais como a participação em seminários extracurriculares, estágios, palestras, conferências, grupos de pesquisa, etc. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2014)

Baseado na realidade instituída pelo MEC é possível constatar que a definição curricular contemporânea dos cursos de Teologia é fruto de vários elementos “como o cruzamento de vários aspectos, envolvendo concepção de conhecimento, interesses políticos, contexto sociocultural e modelos de aprendizagem.” (FREITAS apud DA SILVA, 2010, p. 03). O teólogo brasileiro Júlio Zabatiero, em seu recentíssimo artigo Repensando o Bacharelado Cristão em Teologia, faz uma leitura crítica deste Parecer, questionando o viés iluminista e a sua pedagogia conteudista subjacente, e denuncia a presença de dois paradigmas conflitantes no Parecer: o paradigma iluminista-conteudista e o paradigma construtivista-pragmatista (ZABATIERO, 2015). Ele faz uma análise muito pertinente e de caráter bastante teórico, onde questões vinculadas à filosofia da educação são tratadas e discussões são suscitadas.

Várias são as abordagens atuais curriculares nas instituições teológicas confessionais. Algumas seguem uma tendência escolástica, primando pela formação geral marcada pela excelência teórica e especulativa. Outros buscam uma abordagem confessional, que visa à formação específica de um determinado grupo, para uma finalidade objetiva. Há quem desenvolva currículos de tendência liberal e/ou multiculturalista e outros que criam currículos de linha fundamentalista ou utilitarista (PASSOS, 2004, apud DA SILVA, 2010. p. 06). À luz dessa pluralidade, o MEC faz a seguinte constatação:

vale dizer que, no Brasil, existem cerca de uma centena de cursos de Teologia, já autorizados ou reconhecidos, presentes em vários Estados. Eles são oferecidos por instituições públicas e particulares, pertencentes a mantenedoras confessionais ou não e contemplam teologias subjacentes a diferentes confissões: adventista, batista, católica, espírita, evangélica, luterana, messiânica, metodista, umbandista, entre outras. Trata-se de cursos de graduação com duração entre 1.500 e 4.500 horas. Considerando que se trata de cursos de graduação e em Teologia, bacharelado, recomenda-se que respeitem um mínimo de 2.400 horas. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2014, p. 17)

Diante do exposto até aqui, isto é, a realidade do mundo contemporâneo, as necessidades das igrejas, a formação dos pastores, a crise na relação pastores x igrejas e os encaminhamentos do MEC quanto à educação teológica, este trabalho apresenta uma proposta de possibilidade de superação dessa conjuntura, através de sugestões de ênfases e adequações

para os currículos dos cursos de Graduação em Teologia das instituições confessionais batistas, com a finalidade de aprimorar a qualidade da capacitação oferecida aos futuros pastores que servirão às igrejas nas diversas regiões do país. A ideia é indicar sugestões de conteúdos, áreas de estudo, direcionamentos e ênfases quanto às perspectivas e práticas acadêmicas imprescindíveis à formação teológica atual. Isso é feito à luz dos quatro eixos temáticos curriculares propostos pelo MEC para os cursos de Teologia, da análise de conjuntura do mundo atual e das necessidades dos ministros e igrejas para este momento histórico.

As sugestões desta pesquisa, portanto, são as seguintes:

1. Que seja desenvolvida na área teológica uma visão nitidamente plural, apresentando aos acadêmicos as diversas possibilidades teológicas contemporâneas, tais como as vinculadas ao liberalismo, ao evangelicalismo, ao fundamentalismo, etc., com todas as nuances e interfaces, analisando criticamente as diversas propostas teológicas para o atual contexto, ressaltando as que mais respondem às questões levantadas pela Hipermodernidade e destacando as que podem contribuir de forma mais efetiva com os projetos eclesiásticos e missionários batistas. Para isso, é necessário reconhecer que “o estudo, a reflexão e a produção do saber são altamente valorizados e (devem ser) feitos com qualidade sem perder a visão missionária, espiritual e teológica” (PROENÇA, 2009, p. 22).

2. Que na área filosófica haja ampla discussão, inclusive sobre a temática da Hipermodernidade, capacitando o acadêmico a interpretar o mundo ao seu redor e a aplicar os conhecimentos e valores de sua fé numa sociedade marcada pela cultura-mundo. Deve-se evitar nesse eixo a “doutrinação ideológica”, independente da tendência, inclusive aquelas mais amplamente difundidas na academia brasileira nesse início de século. Que várias possibilidades e escolas filosóficas sejam igualmente apresentadas, analisadas, criticadas para se produzir uma visão mais rica, real e menos “enviesada” do mundo contemporâneo.

3. Que na área metodológica seja enfatizada a superação da simples reprodução e repetição teológicas. É necessário criar projetos de iniciação científica, através dos quais os acadêmicos pesquisarão a realidade religiosa, social e cultural do Brasil, articulando sempre entre teoria e prática, investindo em educação, pesquisa e extensão (PROENÇA, 2009, p. 26). Lugar especial deve ser dado à elaboração do TCC e de sua apresentação. Além disso, que uma base metodológica forte seja capaz de fundamentar todo o processo de educação continuada requerido na atualidade, ajudando o ministro a se atualizar em cada momento de sua vida e ministério. Na verdade, todos os conteúdos curriculares devem ser articulados “com mais pesquisa de campo e convivência com o povo, seus dilemas e imaginários” (PROENÇA, 2011, p. 57).

4. Quanto na área histórico-cultural seja reforçado a importância da compreensão histórica, mesmo que para muitos, em tempos hipermodernos, isso seja considerado irrelevante (HALL, 1997). Que os cursos de Graduação em Teologia façam o contraponto, apresentando a relevância da história para a leitura de mundo presente e para o reconhecimento de perspectivas futuras. Proença afirma que “seria interessante que os cursos de teologia priorizassem mais em seus currículos as disciplinas encarregadas de compreender os elementos da história, da cultura e das questões sociais configuradas no contexto.” (PROENÇA, 2011, p. 57). A Lei 9.394 de 1996, no Art. 43, Alínea VI, afirma ser característica e objetivo do ensino superior: “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais (...)” (ALMEIDA, 2009, p. 46). Desta forma, com mais consciência histórica, ter-se-á uma igreja mais relevante socialmente e missiologicamente falando.

5. Que um relevante interesse seja dedicado aos estudos da área sociopolítica, a fim de que os acadêmicos sejam capazes de analisar a conjuntura regional, nacional e mundial. Que questões recentes sejam introduzidas nas discussões, como a geopolítica mundial, o êxodo do Oriente Médio, a islamização da Europa, a relação entre o Fundamentalismo e a Política, o Multiculturalismo, a questão das minorias, da inclusão, de gênero, a crise brasileira, entre outras, bem como seja realizado o estudo da conjuntura microrregional, tão significativo para a inserção da igreja no contexto local;

6. Que a área bíblico-linguística seja priorizada, pois é fundamental para a compreensão dos textos em geral, para a hermenêutica das Escrituras Sagradas, para a formação de identidade eclesiástica e para o fomento missionário. Num contexto de tantas “aberrações doutrinárias” necessita-se de uma doutrina fortemente embasada nas Escrituras. Por isso, como instituições confessionais, as Faculdades Teológicas Batistas precisam fundamentar seu saber em última análise nos princípios encontrados nas Escrituras Sagradas, tendo “a fidelidade à Escritura Bíblica, como fonte e a base de toda a reflexão teológica e acadêmica em geral” (PROENÇA, 2009, p. 26).

7. Que na área interdisciplinar a questão da aproximação das diversas disciplinas e ciências seja aprofundada, gerando realmente um pensamento dialogal com as diversas áreas de conhecimento. Que haja espaço ainda para a transdisciplinaridade e multidisciplinaridade. Almeida afirma que a teologia, como uma ciência integrante do grupo das humanidades, precisa, nesse sentido, dialogar interdisciplinarmente com aquelas que lhe são mais próximas tais como a história, sociologia, antropologia e filosofia. Esse diálogo amplia a perspectiva contextual e a prática da teologia trazendo-lhe o contraponto necessário para aproximá-la de sua vocação missionária e transformadora da realidade. (ALMEIDA, 2009, p. 46);

8. Que a área prático-ministerial seja valorizada para incentivar o acadêmico a “fazer”, através de disciplinas práticas de estágios supervisionados ou aulas que apresentem modelos, técnicas e exemplos eficientes e eficazes para o momento atual. Que haja incentivo à elaboração de projetos práticos e, quem sabe, desenvolver de forma contextualizada algo semelhante ao que muitas universidades chamam de “Empresa Júnior”, com a finalidade de treinar lideranças. Que se trate também de questões ligadas ao cuidado pessoal do ministro (saúde física e emocional, formação do caráter, desenvolvimento do espírito de serviço e vida familiar). O objetivo é possibilitar ao aluno uma educação integral, não apenas acadêmica e profissional, mas para a vida (PROENÇA, 2009, p. 26). Ainda dentro deste tópico, é importante introduzir elementos da teoria comunicacional e de mídia, pois estão diretamente ligados à essência do trabalho pastoral (PROENÇA, 2011, p. 58);

9. Que a área espiritual-devocional seja estabelecida com disciplinas e práticas que possam incentivar o acadêmico a cultivar a sua espiritualidade pessoal e coletiva, através do mentoreamento de tutores, de reuniões devocionais, cultos, “retiros” esporádicos, ou algo semelhante. Como bem afirmou Barro: “a espiritualidade não pode estar divorciada da vida acadêmica e a vida acadêmica não pode estar divorciada da vida espiritual. Essa separação não tem mais espaço em uma instituição teológica.” (BARRO, 2009, p. 30)

10. Por fim, que uma área sócio-relacional seja criada com disciplinas (ou mesmo atividades de extensão) para desenvolver nos acadêmicos e egressos o senso de coletividade, a superação do individualismo e das relações utilitárias, a noção de trabalhos grupais cooperativos, a melhoria e aprofundamento relacionais, num contexto de tanta aridez relacional e de relacionamentos tão superficiais (BAUMAN, 2004). Nota-se na atualidade a existência de poucos vínculos relacionais entre lideranças evangélicas entre si, e entre elas e o seus respectivos rebanhos. Muitos são os pastores que experimentam a solitude e a solidão. Isso precisa ser superado. Relações sadias e profundas precisam ser comuns aos pastores.

Também, sugere-se, independente de área específica, que alguns desafios sejam intensamente buscados, como a tentativa de diálogo e possível síntese entre tradição e contemporaneidade, teoria e prática, Bíblicidade e cientificidade, religiosidade e secularismo, globalização e regionalidade, teologia e interdisciplinaridade, profetismo e profissionalismo, formação acadêmica e formação para a vida, formação momentânea e capacitação continuada, continuidade e inovação, e espiritualidade individual e vida comunal e relacional.

Seguindo os conteúdos, ênfases e práticas acima os currículos serão posteriormente desenvolvidos em cada instituição, levando-se em consideração cada Projeto Político Pedagógico (PPP), cada realidade regional, cada perfil dos egressos da faculdade, além das competências e habilidades que são almejadas em cada situação.

Dessa forma, a organização curricular deve

superar os limites do paradigma escolar moderno, valorizando a multidisciplinaridade, a participação intensa do estudante na produção do saber, a razão como dimensão do ser humano a serviço do Reino de Deus e do bem-estar de toda a criação, o aperfeiçoamento permanente do corpo docente tanto nas suas habilidades acadêmicas quanto na sua vida pessoal e ministerial (PROENÇA, 2009, p. 26).

Urge, por fim, a necessidade de que as IES batistas (ou mesmo de outras denominações e seculares) possam se aproximar para discutir a visão de seus cursos de Teologia e a realidade de seus currículos para compartilharem experiências bem sucedidas e traçarem possíveis caminhos comuns. Sobre isso, Zabatiero afirma:

Um requisito para esse processo é a criação de espaços para diálogo e intercâmbio entre as IES, aproveitando as organizações já existentes em nosso campo e, quem sabe, mediante a criação de uma associação ou fórum de programas de bacharelado em teologia, que transcenda os limites ‘confessionais’ das organizações já existentes. (ZABATIERO, 2015, p. 2246).

Esses direcionamentos devem possibilitar a construção de currículos formados por disciplinas que capacitem os pastores a ministrarem em suas respectivas igrejas sendo líderes para o rebanho, íntegros, habilitados para desenvolver suas funções com excelência, desejosos de se capacitarem continuamente e aptos a repensarem suas vidas e ministérios diante de cada novo momento, conduzindo suas respectivas igrejas a cumprirem os propósitos de Deus para esta geração.

Considerações Finais

O mundo passa por mudanças profundas e contínuas. Um contexto de grande instabilidade foi gerado e segue para um destino que é impossível prever o final. Isso tem afetado todas as esferas da vida humana. Afeta também a religião e produz uma crise na relação pastores x igrejas que tem sido gestada no ventre da Hipermodernidade. Tal constatação requer que a educação teológica seja repensada e que novas possibilidades sejam apresentadas, entre elas, propostas de alterações curriculares e de ênfases nos cursos de Graduação em Teologia. Acredita-se que esta seja uma das formas de superação do problema.

Com tais propostas, intenciona-se capacitar adequadamente os futuros ministros e, dessa forma, superar o fosso entre igrejas e pastores, bem como grande parte das dificuldades, distorções e incompatibilidades entre ambos, para que os pastores sejam mais realizados e as igrejas sejam verdadeiramente relevantes nesse mundo desorientado, como diria Lipovetsky (LIPOVETSKY & SERROY, 2011).

Talvez no futuro próximo pesquisas de campo precisem ser realizadas para se levantar dados mais específicos sobre tal realidade nas diversas denominações brasileiras, a fim de se constatar se a crise existe em todos os meios, se os problemas são gerados pelas mesmas causas, se as consequências são as mesmas e se as possibilidades de solução do problema são semelhantes.

Essa pesquisa tem relevância para os estudiosos nas áreas da teologia, ciências da religião e pedagogia que tenham interesse nas diversas possiblidades de relações entre religião, educação, mercado religioso, igreja contemporânea, protestantismo brasileiro e ministério pastoral.

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