quinta-feira, 22 de julho de 2010

A CEIA DO SENHOR COMO METÁFORA CRISTÃ

A Ceia do Senhor é um dos ritos cristãos instituídos pessoalmente pelo Senhor Jesus Cristo, juntamente com o Batismo. Pode ser compreendida como uma das duas Ordenanças, Sacramentos ou Atos Memoriais praticados pelas igrejas cristãs. A sua instituição se encontra em relatos contidos nos três Evangelhos Sinóticos (Mt 26:26-29; Mc 14:22-25; Lc 22:14-23), quando Jesus na última ceia conclamou os discípulos à sua prática após a sua morte e ressurreição, mas também na menção paulina quanto à sua realização na igreja em Corinto, como se vê em I Co 11:23-32.

Durante a história cristã houve muitas controvérsias quanto ao entendimento a respeito da Ceia do Senhor e seu significado, algumas das quais permanecem ainda hoje. No Século IX d.C. o teólogo Radberto, por exemplo, introduziu a idéia de que um milagre acontecia durante a realização da Ceia, quando se pronunciavam as palavras de sua instituição. Vem daí a idéia de transubstanciação defendida pela Igreja Romana, para a qual, durante a Ceia do Senhor, os elementos do pão e do vinho são transformados na substância do corpo e do sangue de Cristo, ocorrendo ali um novo sacrifício do Senhor Jesus, idéia oficializada no Século XIII d.C. no Quarto Concílio Laterano, e corroborada no Concílio de Trento, no Século XVI, durante a chamada Contra Reforma Católica.

No mesmo Século XVI, durante a Reforma Protestante, novas compreensões sobre a Ceia do Senhor se deram entre os reformadores. Lutero, reformador alemão, continuou defendendo a presença física de Cristo na Ceia do Senhor, embora tenha negado a idéia do novo sacrifício ocorrido na missa e a necessidade de prestar culto a ele (o corpo físico de Cristo). Esta posição ainda é defendida hoje pelos luteranos. Zuínglio, reformador suíço, foi na direção aposta, negando a presença física de Cristo na Ceia e desenvolvendo a idéia do memorial cristão. Para ele, Cristo não estaria presente fisicamente ou espiritualmente nos elementos da Ceia. Essa é a visão entre os batistas e menonitas.

Uma terceira posição, talvez intermediária, foi adotada por Calvino, reformador francês, que desenvolveu a pregação reformada na Suíça. Ele defendeu a sacramentralidade da Ceia e a presença espiritual de Cristo durante o rito eucarístico. Essa visão, chamada de consubstanciação, é defendida ainda hoje pelos presbiterianos.

Tais visões diferenciadas foram no passado tão significativas, que chegaram a impedir a união entre alguns seguimentos protestantes. É conhecido o famoso Colóquio de Marburgo, quando Lutero e Zuínglio se reuniram para tratar de suas divergências doutrinárias, chegando ao consenso a respeito de quatorze doutrinas, mas não se entendendo quanto à doutrina da Ceia do Senhor. Isto parece uma grande contradição, pois a Ceia que foi dada como elemento de comunhão da igreja, se tornou na verdade, instrumento de fragmentação. Aliás, desde o contexto bíblico tal anomalia vinha acontecendo, pois Paulo tratou a respeito da Ceia na Primeira Epístola aos Coríntios, exatamente porque ela estava produzindo divisões na igreja (I Co 11:18).

Apesar da gama de divergências citadas anteriormente, há consenso, entretanto, de que a Ceia do Senhor seja um rito simbólico-sacramental que aponta para a comunhão do Corpo de Cristo, sendo inclusive um elemento formador da identidade cristã.

Eduardo Hoonaert, historiador e teólogo católico, afirma que a Ceia do Senhor significa para a Igreja Cristã o que a Páscoa significa para o Judaísmo, um ato rememorativo, formador de identidade de um povo. Assim como os judeus realizam a Páscoa, se lembrando das ações de Deus em favor da salvação do povo hebreu do Cativeiro no Egito, os cristãos devem realizar a Ceia do Senhor para que se lembrem constantemente de que Jesus os libertou do cativeiro do pecado. Tais cerimônias são rememorativas, favorecendo a construção histórica de um povo e, consequentemente, o desenvolvimento de uma identidade. Está presente, portanto, no rito da Ceia do Senhor o elemento de pertencimento a um grupo, de comunhão em torno da pessoa de Cristo, marcado pelo antegozo da plena salvação futura, não somente do indivíduo, mas de um povo.

Nessa mesma linha de raciocínio, Leonardo Boff, ex-frade franciscano, diz que a Ceia lega aos cristãos três importantes ensinamentos: ela é rememorativa, colaborando com a construção de uma visão histórica e de identidade; ela é comemorativa, apontando para o caráter celebrativo da Ceia, onde se comemora a libertação do jugo do pecado, a nova vida em Cristo e a esperança de uma vida futura; e ela é antecipativa, pois no relato paulino em I Co 11:26, fala-se que, quando a igreja realiza a Ceia, está anunciando “a morte do Senhor, até que Ele venha”, fortalecendo a fé e a esperança da igreja nas promessas de Cristo e pregando ao pecador a salvação possível através do sacrifício de Cristo na cruz do Calvário.

A Ceia do Senhor é, portanto, um rito de extrema relevância para a comunidade cristã, pois, enquanto metáfora, anuncia mensagens fundamentais: primeiro, a igreja é um só corpo, um só povo, uma só comunidade fundamentada em Cristo; segundo, Cristo continua presente na vida da igreja; terceiro, o futuro da igreja está nas mãos dele, pois ele voltará e consumará a história; e quarto, o mundo no entorno da igreja precisa saber que Cristo é o Salvador, e saberá, na medida em que a Igreja anunciar o Evangelho, inclusive através da ação querigmática da Ceia do Senhor (I Co 11:26).

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