sexta-feira, 6 de agosto de 2010

EM BUSCA DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO ?

A Igreja Católica Apostólica Romana experimentou, após anos de estagnação intelectual e estrutural, um certo “aggiornamento”, que aparentemente lhe possibilitou uma série de transformações. Tal experiência aconteceu no contexto do Concílio Vaticano II, quando idéias progressistas tomaram conta da igreja romana, permitindo que sua estrutura e suas idéias fossem repensadas, bem como reavaliadas suas relações com outras religiões, com alguns seguimentos cristãos, e, inclusive, com o pensamento secular. Foi sem dúvida um grande salto dado depois de cerca de 400 anos de obscurantismo, desde Trento. Foi depois do Vaticano II que a igreja chegou a pensar em reformas, em uma proposta ecumênica, ou ao menos na busca do diálogo inter-religioso, mas parece que tal discurso já não é tão central nas falas do romanismo atual, a não ser que o discurso de alguns líderes católicos atuais esteja sendo contraditório em relação às intenções da hierarquia eclesiástica.

Dizemos isso à luz do que temos lido nos jornais e revistas, em artigos de autoridades católicas. Ficamos irritados com declarações como as de um determinado arcebispo em um de seus textos. Referimo-nos ao artigo intitulado “A Mediação dos Santos”, quando a autoridade romana chamou de “ignorantes” aqueles que discordam das suas posições teológicas. Faz tempo que a Igreja Católica vem usando do expediente de considerar-se infalível, superior e detentora da verdade. Na Idade Média isso funcionou muito bem, pois a Igreja era a grande senhora feudal que detinha o conhecimento, a “verdade” e a cátedra do ensino. Hoje, entretanto, não é mais assim. O mundo experimentou muitas mudanças que intensificaram o processo de formação da consciência individual, do livre pensar e da autonomia do ser, à despeito da heteronomia de instituições autoritárias como o Vaticano. A igreja, entretanto, com seu anacronismo continua com sua mentalidade no medievo. Parece que muitos de seus líderes não entendem que a Igreja Católica não está mais na condição de determinar o que as pessoas devem ou não pensar. Embora às vezes alguns católicos até tentem, na maioria dos casos seus líderes demonstram não conseguir dialogar, querendo sempre determinar. É..., os vícios são mesmo difíceis de serem vencidos !

Não é, entretanto, com juizos de valor como os apresentados pelo arcebispo que a Igreja Católica conseguiria afirmar suas doutrinas numa sociedade como a nossa. Os valores em nosso tempo foram pulverizados e pluralizados pela ética pós-nietzschiana. A afirmação das suas doutrinas só poderia se dar com a apresentação sistemática e lógica do pensamento católico-romano, de forma dialogal. Foi assim no passado quando polemistas e apologistas defenderam sua fé diante de outros pensamentos. Homens dialogaram com o mundo cristão e não-cristão e construíram racionalmente as doutrinas cristãs. Hoje, por conseguinte, em pleno Século XXI, quando experimentamos o que alguns chamam de pós-modernidade, tempo da independência do espírito e da construção da crítica, afirmações e postulados não são mais reverenciados apenas por imposição de uma autoridade eclesiástica, ou por seus juizos de valor. Foi-se o tempo em que tínhamos que aceitar tudo o que nos diziam, porque impunha-se o medo das “fogueiras”. As “fogueiras” já passaram. Estamos preparados para dialogar e não simplesmente para acatar imposições firmadas numa valoração anacrônica e arrogante.

Acompanhamos sempre os artigo das autoridades católicas. Cansamo-nos, entretanto, de ficar calados diante dos estapafúrdios que lemos. Afinal, ninguém é de ferro ! Por isso, ao final dessas reflexões, apelamos ao grande jurista católico brasileiro. Refirimo-nos àquele que levantou sua voz “profética” contra as mazelas da igreja à qual pertencia, o baiano Rui Barbosa. Na introdução da tradução do livro “O Papa e o Concílio”, de Janus, ele afirma que o catolismo deveria ser uma “religião não de 'fábulas ineptas e senis'; não de praxes farisaicas e sensualistas; (...) do paganismo infalibilista (...); não a religião (...) do amordaçamento das almas, (...) da ignorância, (...) do cativeiro moral e social...”. Este é também o nosso desejo, ou seja, que a Igreja Católica Apostólica Romana, no abandono de sua heteronomia, respeite a autonomia do pensamento religioso contemporâneo em busca da construção de uma teonomia, e que, humildemente possa ter a salutar experiência de ser continuamente reformada (“eclesia semper reformanda”)!

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